terça-feira, 5 de abril de 2011

A HISTÓRIA DA GALERIA CELINA


 Por Rose Valverde[1]

Estamos desenvolvendo o projeto “Bernardo Mascarenhas, um homem várias histórias, da Cedro e Cachoeira até os dias de hoje”, e, como parte do processo de pesquisa realizamos algumas entrevistas. Minha curiosidade era saber mais sobre a história da Galeria de Arte Celina, que existiu em Juiz de Fora nas décadas de 50 e 60. Eu e Alcione Bracher realizamos essa entrevista com a Nívea, Décio e Carlos Bracher, no dia 25 de fevereiro de 2011.
Espero que gostem...

Símbolo da Galeria de Arte Celina

O símbolo da GAC – Galeria de arte Celina foi feito pelo Sr. Waldemar, pai dos Bracher (Nívea, Celina, Décio e Carlos). E segundo conta Nívea: “Era em nossa casa e na Parreiras aonde os artistas se reuniam. A Galeria de Arte Celina também surgiu dessa necessidade de espaço. Uma coisa é fazer os seus quadros para expor e outra coisa era fazer além da montagem da exposição à estruturação do próprio espaço para expor, porque, segundo o Dnar Rocha: “uma exposição tinha que ser um momento extraordinário”.
   
“Então todo ano a gente montava uma galeria de arte”, disse Nívea. O Carlos e o Décio e a Celina, que tinha uma capacidade fantástica e era muito além do tempo dela. “A Celina era uma Angela Diniz antes da Leila Diniz” dizia a Wanda, a mulher do Luis Afonso. Nívea então explicou: “Pensamos em montar um espaço permanente para receber as exposições que a gente quisesse. E não se sabia aonde. O Décio se lembrou de um espaço que o papai tinha na galeria PIO X. Ali já funcionava a cultura Inglesa e o DCE e o tio Lico[2] tinha feito a primeira academia de arte de Juiz de Fora, na década de 50 e dava aula de violino, e eu estudei com ele Violino. Tinha o Ney Bohns Martins que tinha um escritorio na galeria”.
       

Vista do Castelinho dos Bracher pintado por Frederico Bracher na década de 60 e foto atual.

Ela continua: “Então, aquele segundo andar, onde meu pai tinha um escritório de uma imobiliária que faliu porque fazia casas decentes de ótima qualidade, e se chamava ENISA - Empresa Nacional Imobiliaria S.A., era um grupo de BH, e o papai ficou gerenciando. E como faliu, o papai continuou com aquele escritório e facultava aquele espaço para reuniões de grupos como da Filarmônica, o coral do Vitor Vassalo...”
“E o Décio falou por que não fazermos esse espaço lá? Era uma sala grande, a outra com corredor e um banheirinho, eram três salas conjugadas. E aí é que entrou a inventividade do Carlinhos e do Décio e eles conseguiram modular aquele espaço de uma maneira tão fantástica, era multiuso. Então, ora era cinema, quando era cinema descia a tela que cobria a janela, a que dava para a Rua Halfeld. Tinha cinema de dia e a noite. Tinha teatro de arena. O Natale Chiannelo fez peças de teatro lá dentro e havia as exposições, cursos e palestras. Fizemos um buraco na parede para colocar a câmara de projetar e foi feita num ângulo certinho e não distorcia a imagem”. 
“Aqui existia um clima de cultura na época. Que o Décio fala muito bem que quem não viveu em Juiz de Fora nos anos 50 e 60, não conheceu o paraíso. Isso aqui realmente era um paraíso. Um grupo. Nós éramos tão irmanados que não eu, individualmente, o Décio e a Celina, nós éramos uma alma grupo. Aonde ia um, ia o bando, e a Celina sempre liderando”. 

Celina Bracher (1934-1965)

“Nós saíamos todos os domingos para pintar, mas a gente saía num bando de umas vinte pessoas e todos nos íamos de ônibus, pois ninguém tinha dinheiro.  O Nelsom do observatório Flammarion é o único que ia de lambreta. A Celina não pintava, mas encantava... Ela que fazia o fio de meada com todo mundo. Teve um caso muito engraçado da Celina, Pupi e Mafalda. É que a Celina não podia ver água que ela pulava na água e nesse dia estávamos pintando na Cerâmica e elas pularam na água, e começaram a se afogar e aí os três artistas pularam na água para salvá-las e, quando estavam todas salvas a Celina resolveu entrar na água de novo e aí ficou meio assim uma piada. A Celina não pinta nem nada...
“Tinha de tudo, o grupo tinha repórteres, tinha mulher, tinha homem, tinha um professor Francês de arqueologia, o Décio, tinha o Afonso Romano de Santana. Era um grupo muito bom. Então, com um grupo bom desses tudo sempre acontecia, não precisava ter dinheiro. Essa envolvência cultural, todos juntos... A galeria Celina foi fundada em 1965 em dezembro no dia 19, e a iluminação era de lata de Neston.”
Nívea ainda acrescenta: “Hoje em dia tudo tem que ter projeto, mas antigamente não. Dinheiro ninguém tinha. Com a capital, indo para Belo Horizonte, Juiz de Fora esvaziou. Mas Juiz de Fora tinha aquele clima cultural e aí que vou situar a galeria Celina. Eu sei quando começou, mas quando acabou eu não posso precisar a data, porque eu sinto que ela não acabou. Ela continuou. É como uma semente quando você planta, você acha que ela morre. Mas ela não morre, ela se transforma na árvore. Quase tudo que vem hoje em Juiz de Fora, passa pela gente, passa pela Galeria de Arte Celina, e isso é mérito da qualidade de pessoas de Juiz de Fora.”
Achei importante destacar os spots que foram idealizados pelo Frederico Bracher (pai da Alcione) e que funciona até hoje. O Carlos Bracher nos mostrou como era seu funcionamento.

Spot projetado pro Frederico Bracher

Carlos Bracher diz: “mas a gente tinha o principal que é o sonho, isso não tinha limite. A gente era mantido a sonho 24 horas. Muito mais que 24 horas. O dia era uma eternidade. Cada dia entre todos nós, não só os da família, mas entre os amigos era a plenitude de viver, de sonhar, de realizar, de produzir coisas, de se irmanar através desse espírito grupal coletivo. A gente criou um senso muito específico de felicidade entre todos nós... Aí que era uma coisa importante, a potencialização dos feitos.”
“Se a gente for à Galeria Celina hoje, é uma sala de 8x8, não é nada, uma salinha de nada. A sala física era inacreditavelmente exígua, pequena. Mas o espaço do sonho é que era grandioso, era ilimitado. Essa condição da espacialidade, do viver e do imaginar e do criar, essa, era ilimitada. Foi uma coisa tão profunda, de tal intensidade que no ano de 66 nós fizemos mais de 500 eventos em um ano. Porque lá era assim: de manhã, de tarde de noite e de madrugada... Se alguém quisesse ir lá de madrugada tinha gente lá passando filme e eram obras primas do cinema internacional.”
Nívea - Filmes que eram da cinemateca de Paris e que hoje compõe a cinemateca do MAM do Rio, toda a história do cinema.
Carlos Bracher – “Fizemos cursos de Cinema... Vieram críticos de cinema, cineastas. A primeira exposição do Arlindo Daibert foi nesse espaço. E do Roberto Vieira... Enfim, é importante dizer é que a galeria começou para ser um movimento de artes plásticas, uma galeria de arte, mas só que imediatamente deixou de ser isso e passou a ser um Centro Cultural. Porque a gente ali integrava todas as artes. Essa sensação de pluridade é que deu o grande sentido daquele espaço, daquele Centro Cultural”.



Décio, Nívea e Carlos Bracher

Por hora fico por aqui, mas com certeza teremos mais histórias para contar...



[1]Rose Mary Pinto Valverde de Carvalho, Artista Plástica, Professora de Artes, Especialista em Arte, Cultura e Educação – IAD/UFJF. 
[2] Frederico Bracher - Nasceu no Rio de Janeiro em 1920 e faleceu em Belo Horizonte, em 1984. Pintor, desenhista e violinista, estudou pintura com Amilcar Agretti. Recebeu o Prêmio de Pintura do jornal Estado de Minas em 1938. Em 1939 transferiu-se para Montes Claros, MG, onde abriu uma escola de artes, para o ensino de pintura e música. Com outros músicos fundou a Orquestra Filarmônica de Juiz de Fora e foi membro fundador da Associação de Artistas Plásticos de Minas Gerais. Expôs individualmente em vários estados brasileiros e em Tóquio, destacando-se: mostra no Núcleo São Lucas em Belo Horizonte (1935-36); Automóvel Clube de Montes Claros, MG (1937-56); Automóvel Clube de Belo Horizonte (1942/63/70); Galeria Minarte, BH (1964-65); Galeria de Arte Telemig, BH (1984); Palácio das Artes, BH (1986); Centro Cultural Pró-Música, Juiz de Fora (1986); MAC, Curitiba (1986); Fundação Cultural do Distrito Federal (1986); Centro Cultural Hermes de Paula, Montes Claros (1986); MASP (1986) e Museu Nacional de Belas Artes, RJ (1986). Participou da mostra coletiva Emergência do Modernismo em Belo Horizonte, realizada no Museu Mineiro (1996) e do Salão Municipal de Belo Horizonte (1937/1938). Possui obras no acervo do Museu Mineiro em Belo Horizonte e Museu Mariano Procópio em Juiz Fora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário